terça-feira, agosto 11, 2009

Quem decide, afinal?

Para quem ainda pense que as mudanças ético-morais em curso, em nome da liberdade individual, da modernização dos valores e costumes, são o resultado de 'geração espontânea', fruto de uma onda natural, leia 'Eu fui Maçom', editado por 'A Esfera dos livros', em Maio de 2009. O autor, Maurice Caillet, foi iniciado do Grande Oriente da França, e explica como, de forma orquestrada, se processou a mudança das mentalidades, em França, no que concerne a assuntos como o aborto, o casamento homossexual e outras matérias que, subliminarmente, vêm chegando também às mais ocidentais praias...
Para além da denúncia, este livro é, também, uma proposta. Como se pode encontrar a felicidade que não esgota?
Um livro para ler e sugerir.

segunda-feira, agosto 03, 2009

Uma Europa sem Deus?

'Uma Europa sem Deus?' é interrogação que serve de título a uma excelente leitura, feita pelo diplomata austríaco, Michael Weninger, sobre os meandros da discussão institucional e informal acerca da relevância da referência a Deus na Constituição/Tratado Constitucional da União Europeia. Atendendo a que, a certa altura, a discussão se extremou, sem parecer ser possível encontrar uma saída capaz de conciliar as propostas em cima da mesa, reproduzo, aqui, o que se regista na Constituição Polaca, recordado por Weninger como uma excelente saída para o impasse:
«[...] que também aqueles que acreditam em Deus como fonte da verdade, da justiça, do bem e do belo, como os que não partilham essa crença, mas que respeitam os valores universais, assim como de outras fontes [...]»
Bem certo, porém, que, para alguns dos que se envolveram nesta floresta, a pergunta não era com que tipo de árvores se deve reflorestar o terreno, mas o que fazer para que a floresta não volte a nascer... Ora, assim, a discussão é impossível, como muito bem retrata este diplomata, convidado pela Comissão Europeia para integrar e coordenar grupos de trabalho sobre matérias concernentes ao diálogo entre a União Europeia e as Religiões: «O objectivo declarado [da Federação Humanista Europeia, que integrou a iniciativa 'Uma alma para a Europa', de que faziam parte, também, os representantes das principais religiões com expressão na Europa] era a criação de uma UE totalmente secular, em que não haveria espaço para quaisquer outras convicções filosóficas, além da sua própria visão secular, ateísta, etc.. Com esta posição, as organizações humanistas apresentavam-se, convincentemente, como defensoras da tolerância, como se vêem, apesar de elas próprias não serem tolerantes, nem exercerem o humanismo na verdadeira acepçãoa da palavras.» (Uma Europa sem Deus?. Lisboa, Edições 70, p. 236)
Um livro que, apesar de extenso e com algumas dúbias traduções em termos técnicos (nem sempre 'leigo' e 'laico' são bem traduzidos), é precioso para se perceber como minorias ideológicas intolerantes se põem em bicos de pés e encandeiam a clarividência dos demais.
Útil para uma abordagem racional, honesta e respeitadora da presença das religiões no espaço público.

domingo, maio 10, 2009

A propósito da eutanásia

A razão que se oculta nas razões

Vou propor uma reflexão que tem o seu quê de heterodoxa. Pretendo conduzir à discussão sobre o que está em causa quando discutimos a eutanásia, sem quase falar nela.
E começo por fazer uma constatação que nos abre a porta para a resposta que quero encontrar: por que se reúnem, no mesmo grupo, liberais e as esquerdas mais radicais, quando discutimos a despenalização do aborto ou o eugenismo ou a eutanásia? É que assim acontece, de facto. E bastará a resposta de que os extremos se tocam? Admitindo a verdade do aforismo, o que significaria isso?
É que, com efeito, tem sido assim sempre que estes assuntos, ditos ‘fracturantes’, aparecem.
Afinal, o que está, de facto, em causa?
Simplesmente o desejo de combater a ordem estabelecida? O desejo de afirmar a liberdade individual? Parece-me insuficiente essa resposta simples, pois nenhuma esquerda que se preze propõe, por exemplo, a título do direito ao exercício da liberdade, o fim dos impostos ou a liberdade de escolha nesta matéria. Então, porquê essa posição comum em matérias relacionadas com a vida humana?
Pois bem, está, precisamente, na formulação da última pergunta a resposta. É, com efeito, perante a vida humana que estas posições tão díspares se unem.
Mas, em quê?
Na consideração de que a vida humana não se define com os limites. Esse é, de facto, o dado comum: a recusa da imperfeição, do limite, que, afinal, deveria ser considerado e aceite como dado inerente à vida humana. E vejam que é isso, realmente, o que distingue quem defende e quem é contra a legitimidade da eutanásia: a definição e a atitude perante a vida humana e o reconhecimento dos limites da intervenção sobre ela. Não é um dado marginal quanto às concepções que nos estruturam. É essencial. Dele resultam consequências mais ou menos graves conforme a coerência de quem as sustenta. Bem certo que, para não exporem facilmente o absurdo da sua posição, os defensores da eutanásia e afins blindam-se e criam auto-limites, mas que não passam de expedientes e distracções. Na realidade, a questão é que, para os que, por motivos liberais ou radicais, se situam na defesa da eutanásia, do aborto, do eugenismo, o limite, a imperfeição, não fazem parte da definição da vida humana.
Por isso, a eutanásia é a saída para um vida que se apresenta com limites, por já não se definir como vida humana. Supõem um ser humano que, na verdade, não existe e nunca existirá: um ser humano ilimitado, sem imperfeições. É o mito, feito realidade, do paraíso perdido, com o condimento de se tentar mundanizar esse paraíso. Assim, liberais e radicais unem-se por recusarem tudo o que significa limitar a vida humana sonhada, mas nunca existente, ainda que tenham a ilusão de que quando a vida não dói, não está limitada.
Assim, esta discussão deve centrar-nos no que é importante: o ser humano deve ser recuperado, voltar a descobrir-se como um ser a caminho, um ser a fazer-se, a progredir e nunca concluído nem definitivamente feito. E é isso que une aqueles que, mesmo partindo de convicções religiosas diversas, estão irmanados numa fonte semelhante: a de conceber que cada ser humano deve ser respeitado, mesmo quando extremamente frágil, mesmo quando a sua infelicidade parece pedir o fim. Perante esse sofrimento, a resposta pode ser diversa nas suas concretizações, mas semelhante no seu intuito – conduzir o homem a assumir como sua a limitação que vive e a fugir de viver sempre uma vida sem limites que não é, nem nunca foi ou será, a sua.
No último reduto, a discussão sobre estes assuntos que colocam a sociedade na tensão máxima resulta da interrogação radical sobre o que é, afinal, o Homem; se um ser sem limites ou se um fazer-se na limitação. É esse o drama da liberdade humana: não poder pensar-se senão em determinadas condições. Liberdade sem condicionamentos não é liberdade de homem. Não existe…

Artigo publicado no semanário, Correio do Vouga

Caminhada pela vida | Contra rótulos e preconceitos, os factos. Simplesmente, os factos

  Artigo originalmente publicado em https://diocese-aveiro.pt/cultura/ No dia 6 de abril, sábado, o país mobilizou-se para afirmar que a...